Kit gás
Comprou sapatos novos. Saltos inéditos, dos quais mal sabia equilibrar. Esforçou-se. Afinal, nada poderia dar errado naquele encontro pré-anunciado por ele ao telefone: “Eu te quero linda nesta noite, minha Lóri. Tenho uma surpresa pra você”.
Lóri era Lorena. O apelido que ela considerava “fofo” vinha do mais novo flerte. Um romance semi-engatado, em marcha lenta, é certo dizer, mas, ainda assim, engatado. Era o que costumava responder para as amigas sempre que perguntavam se ela estava de namoro. Trin-ta-e-um anos, já era hora de um engate, um macaco, uma ferramenta qualquer que ela pudesse fazer bom uso.
- E aí, mãe, como é que estou? – deu meia volta de bumbum empinado para que Dona Glória pudesse conferir o visual.
- Tudo bem que você colocou roupa de jantar, mas acho que pra um almoço na casa dele tá bom assim. Mas lembra do que eu te disse, hein: se o cara sentar na sua frente quer dizer que ele quer casar contigo, mas se sentar do seu lado quer só te comer. – sinceridade pura na Glória, que conseguia ser mais purpurinada que Lorena. E batizou “Lorena” porque diz ser nome sexy.
Sexy ou não, Lorena, quando produzida, até conseguia angariar alguns elogios do chefe, dos peões, dos caras do barzinho que frequentava. Bem na verdade, Lorena andava cansada de elogios vazios. Fazia o tipo romântica-amélia: sexy mesmo ela achava usar aventalzinho curto durante o passar de roupas e/ou receber o esposo (Sim, esposo!) com um prato de sopa quentinha que ela aprontou sozinha. Receita de vovó. A Glória não gostava de cozinhar, achava o ó.
O restaurante combinado para o tal almoço, claro, não era aquele que ela vivia dando indiretas de que gostaria de um dia ir. Pois bem, convite feito, visita anunciada pelo porteiro que, diga-se de passagem, deu uma boa medida na moçoila, como se estivesse tentando reconhecê-la, perguntando-se “Essa já veio aqui?”. E lá estava ele, o flerte engatado, à espera de sua Lóri, escancarando a porta do apartamento onde morava.
Lorena estava ansiosa. Poxa, o cara era liiindo. Suava que era só uma beleza nos calcanhares a escorregar nos saltos novos e desequilibrados. Ele sorriu. Ela sorriu apaixonada. Riso que virou dúvida quando viu aquela cabecinha loira surgir por entre as pernas do dito cujo.
- Então, esta é a surpresa que eu tinha pra você! É minha caçula. Não é linda?
Lorena afirmou com a cabeça e sorriu um riso comedido de uma boca e meia, enquanto a criança exibia o vão nos dentes ainda por nascer. A feição atentada da moleca lhe rendeu um tropeço logo no primeiro pisar de cômodo. E olha que ela pisou com pé direito. O que desencadeou uma gargalhada debochadíssima da pequena que, em seguida, disparou pro quarto.
- Que bonitinha! Ela trouxe as amigas pra almoçar também?
- Não, Lóri. Esta é Isabelle, a do meio, e Mirella, a mais velha. Parece mais comigo, né? É a filha do primeiro casamento.
- Ah, tá…
Mesmo sob olhares de reprovação das meninas, o almoço seguiu. E ele todo empenhado em agradar: botou mesa, deu comida na boca, serviu vinho e até colocou uma música ambiente. Se é que no ambiente cabia mais uma. Mulher ali já tinha muita: no passado, no presente e no futuro de um homem só.
- O que é esse borrão na sua cara? – perguntou a caçula.
Tinha que botar a pinta de nascença de Lorena na janela indiscreta? Tinha. E, dali em diante, Lorena fez que lembrou de um compromisso com uma amiga e despediu-se, sem beijos ou delongas, do kit gás do flerte engatado.
Em casa, arremessou o par de sapatos novos e calou a pensar. A Glória entrou no quarto e não resistiu:
- Não vou nem comentar nada. Mas me responde aqui: de que lado da mesa ele sentou?
- Ele ficou o tempo todo do meu lado. Achei tão fofo!
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